Como David Sinclair Obteve Suas Conclusões Sobre o Tratamento do Alcoolismo?
- Stefani Busatta
- 5 de fev.
- 3 min de leitura
O Dr. John David Sinclair foi um neurocientista americano cujo trabalho transformou radicalmente a abordagem do alcoolismo. As suas pesquisas desconstruíram diversas concepções tradicionais sobre a dependência do álcool e demonstraram que o vício pode ser "desaprendido" por meio de um método cientificamente embasado. Três ideias essenciais surgiram de suas investigações: o Efeito de Privacão de Álcool (Alcohol Deprivation Effect - ADE), a Extinção Farmacológica e o Aprimoramento da Aprendizagem por meio de fármacos. Vamos explorar como ele chegou a essas conclusões.
O Efeito de Privacão de Álcool (ADE)
Em sua tese de doutoramento na Universidade de Oregon, em 1972, Sinclair estudou o chamado Efeito de Privacão de Álcool (ADE). Através de experimentos com ratos, ele notou que, após um período de acesso livre ao álcool seguido por um período de abstinência forçada, os ratos bebiam consideravelmente mais quando o álcool era reintroduzido. Esse fenômeno também se verifica em seres humanos e explica por que as recaídas são tão frequentes em tratamentos baseados na abstinência.
Ao constatar que a abstinência forçada pode, paradoxalmente, aumentar o desejo pelo álcool, Sinclair concluiu que as estratégias tradicionais para tratar o alcoolismo poderiam estar a reforçar o problema ao invés de resolvê-lo.
No livro A Cura para o Alcoolismo, Roy Escapa explica que, para aqueles que herdaram uma predisposição para o alcoolismo e desenvolveram o hábito de beber, os caminhos neuronais criados por esse comportamento acabam se tornando verdadeiras “superautoestradas” no cérebro. Formadas ao longo de anos de consumo de álcool, essas conexões permanecem ativas por toda a vida, nunca desaparecendo ou entrando em estado latente.
É por isso que manter a abstinência é tão difícil para alguém com transtorno do uso do álcool. O alcoolismo é uma condição permanente, a menos que os caminhos neuronais responsáveis pela dependência possam ser eliminados.
Felizmente, hoje é possível enfraquecer e até mesmo apagar essas conexões tão profundamente enraizadas. Se essas “autoestradas” neuronais forem fechadas, a dependência é revertida. Esse processo de “des-adicção” pode ser alcançado por meio da extinção farmacológica, utilizando a naltrexona para bloquear o efeito das endorfinas libertadas pelo consumo de álcool.
A Extinção Farmacológica e o Método Sinclair
Baseando-se na teoria do condicionamento operante, Sinclair demonstrou que o consumo de álcool está associado à liberação de endorfinas, que ativam o sistema opioide do cérebro e reforçam o comportamento de beber. A sua hipótese era simples, mas revolucionária: se os receptores opioides fossem bloqueados no momento do consumo do álcool, o reforço positivo deixaria de ocorrer e o cérebro "desaprendia" gradualmente o padrão de dependência.
Dessa ideia surgiu o que ficou conhecido como Método Sinclair, que consiste na administração de antagonistas opioides, como a naltrexona ou a nalmefena, antes do consumo de álcool. Isso impede a sensação de prazer que normalmente reforçaria o hábito de beber.
Naltrexona + consumo de álcool = cura. Esta fórmula tem o poder de reverter o sistema neuronal excessivamente fortalecido pelo consumo de álcool, permitindo que, gradualmente, seja restaurado ao seu estado anterior à instalação da dependência.
O processo de extinção farmacológica ocorre de forma progressiva e incremental: sempre que o álcool é consumido enquanto a naltrexona está presente no organismo, a ação das endorfinas no sistema opióide do cérebro é bloqueada, levando à redução gradual do impulso para beber.
Estudos conduzidos por Sinclair, tanto em animais quanto em humanos, demonstraram que a administração de naltrexona antes da ingestão alcoólica resultava numa redução progressiva do consumo. Esse fenômeno, denominado extinção farmacológica, mostrou-se uma estratégia eficaz para tratar o alcoolismo sem exigir abstinência completa de imediato.
O Legado de Sinclair
O Método Sinclair foi testado em mais de 90 ensaios clínicos ao redor do mundo e demonstrou uma taxa de sucesso de 78% no tratamento do alcoolismo. Na Finlândia, onde Sinclair trabalhou durante grande parte da sua carreira no Alko Laboratories (hoje parte do Instituto Nacional de Saúde Pública da Finlândia), o método é amplamente utilizado e ajudou dezenas de milhares de pessoas a superar a dependência do álcool.
Sinclair continuou suas pesquisas sobre o uso de antagonistas opioides no tratamento do alcoolismo até o final de sua carreira, deixando um legado científico fundamental para o entendimento e tratamento do transtorno do uso de álcool.
Uma Nova Abordagem Baseada na Ciência
As descobertas de David Sinclair revolucionaram a compreensão sobre o alcoolismo e abriram caminho para novas abordagens baseadas na neurociência. O Método Sinclair, que combina o uso de naltrexona ou nalmefena ao consumo moderado de álcool, é hoje uma opção baseada em evidências científicas que tem ajudado inúmeras pessoas a retomar o controle sobre a sua relação com o álcool.
Ao entendermos que o vício é um comportamento aprendido que pode ser desaprendido, criamos um futuro onde o tratamento do alcoolismo é mais eficaz, acessível e alinhado com os avanços da ciência. O trabalho de Sinclair foi essencial para essa revolução.
Commenti